Em várias atividades, artes, esportes e disciplinas diferentes se
discutiu a respeito do método Jeet Kune Do(JKD) de Bruce Lee. Frequentemente o JKD
é aplicado erroneamente, mas claro, justificado com floreios e presunções
pessoais, algumas pessoas tentam explicar algum tipo de método de treino ou de desenvolvimento
que não tem estrutura nem base científica com o nome JKD. Nada poderia estar
mais longe do que Bruce lee buscava com suas ideias que, de fato, são seu
próprio caminho em busca da liberdade pessoal.
Entretanto uma analogia significativa e forte pode ser feita entre as
ideias de Lee e nossa própria disciplina, o parkour[1]. Na verdade, parkour é
um exemplo perfeito do JKD na prática. Para explicar melhor é necessário definir
primeiro o que Lee queria dizer com o termo Jeet Kune Do e de como ele o aplicava ao seu próprio treino
Jeet Kune Do, apesar de existirem muitas escolas e associações que ensinam ao contrário, não é um estilo. Não é um sistema, nem uma compilação de técnicas, nem um amálgama de movimentos eficientes de diversas artes marciais. Não é boxe misturado com Wing Chun misturado com Muai Thai. E certamente não é a simples imitação dos movimentos do próprio Lee.
Jeet Kune Do é simplesmente a ideia de funcionalidade. É jogar fora qualquer coisa que não sirva para o objetivo de determinada pessoa; no caso de Lee, era se tornar o melhor e mais completo lutador que ele poderia ser. Lee aplicou essa ideia sem pena em seu próprio treino e recomendou que os outros fizessem o mesmo, para que o treino seja apenas aquilo que realmente funciona, apenas o que é diretamente útil e funcional para alcançar determinado objetivo.
O paradoxo da Liberdade
Isso
significa, quase paradoxalmente, que o JKD é ao mesmo tempo extremamente
libertador e rígido em sua abordagem. É libertador porque tem apenas uma regra –
se funciona, use – e é rígido pelo fato de excluir qualquer coisa que não
esteja de acordo com um único objetivo: de chegar a um resultado real e
efetivo. Qualquer coisa para se amostrar, qualquer coisa “florida” ou que
apenas serve para parecer legal e aumentar o ego do praticante – é instantaneamente
descartado. Jeet Kune Do é realmente um método impiedoso e direto – o que o
torna, é claro, tão eficiente. Sua base pode ser encontrada nos quatro
fundamentos de Lee, os quais são:
- Absorva o que é útil
- Rejeite o que é inútil
- Estude a partir de suas próprias experiências
- Acrescente o que for especificamente seu
Parkour
é basicamente a mesma coisa. Não é uma coleção de técnicas ou movimentos, nem
um sistema restrito ou uma tradição padronizada ou uma metodologia de treino
dogmática, nem é baseado em regras que não seja essa: se funciona, use.
Parkour,
como o JKD, é a idea de que o praticante faz seu próprio treino. Não é nem tanto
uma forma de pensar, é mais um jeito de aprender em como pensar em seu próprio
movimento, aprender em como treinar para atingir determinados objetivos: uma
filosofia direta de enfrentamento com a verdade, olhar para si e para as
próprias habilidades e analisá-las: pensar como e o que você tem que fazer para
chegar onde você quer.
Novamente
isso significa uma forma de liberdade que não é simplesmente fazer o que
quiser. Isso não era o que Lee queria ao desenvolver o JKD, muito pelo
contrário. Para ele, a realidade do combate guiava seu treino – então ele se
colocava para enfrentar aquela realidade diretamente na cara e perceber
exatamente o que ele devia fazer para se aperfeiçoar, gostasse ou não, quisesse
ou não. Isso significava treino pesado, constante estudo, intensa auto-análise
e senso crítico. Era preciso enorme disciplina e atenção, uma suprema força de
vontade e clareza. Lee percebeu que sua libertação seria um resultado de muito
trabalho duro.
Na
verdade, aplicar os fundamentos do
princípio do JKD – ou parkour – é muito mais difícil que aperfeiçoar qualquer
conjunto de movimentos ou técnicas, ou permanecer em algumas regras
pré-estabelecidas. É mais difícil justamente porque coloca a responsabilidade
do crescimento pessoal completamente nos ombros do praticante. E é isso que
também torna os princípios tão fortalecedores.
Espírito de Luta
No
parkour, assim como no JKD, não há nada ou ninguém para colocar a culpa por ter
errado, por não conseguir solucionar os próprios problemas. Com muito
comprometimento, esforço e perseverança sempre é possível encontrar um caminho.
Se tivéssemos que identificar o valor mais crucial no treino de parkour
poderíamos sem hesitar ver a força interna, aquela vontade de recusar a
desistir ou de ser derrotado, como uma forte candidata.
Com
isso em mente, a ideia do JKD torna sua aplicação praticamente sem limites e ,quase
que inevitavelmente, uma ferramenta que leva ao sucesso. Com o tempo a
combinação de um bom estudo, prática e reavaliação levará você para as
respostas que procura em qualquer das áreas que escolheu. Agora, é claro, esse
processo de estudo e prática pode ser mais ou menos eficiente a depender de
alguns fatores, incluindo acesso a boas informações (através do ensino,
orientação, conhecimento, experiência dos outros, etc), julgamento sensato de
informações e rigorosa auto-disciplina; mas o componente vital é a decisão de
levar adiante, de ver até o fim – o comprometimento de fazer o que for
necessário para perceber o próprio potencial. Lee priorizava isso acima de
tudo, dizendo:
“Persista,
persista e persista. A força pode ser criada e preservada através da prática
diária – um esforço contínuo.”
Esse
espírito de luta, indomável, essa força de vontade infinita, é a essência do
parkour e Jeet Kune Do. Cative isso e poderá alcançar qualquer coisa, é a única
liberdade que realmente importa – a capacidade de criar a si mesmo.
“O
vazio é o que está no meio das coisas. O vazio inclui tudo; não havendo oponente,
não exclui nem se opõe a nada. É um vazio vivo, pois todas as formas emanam
dele, e quem entender o vazio, será preenchido por vida, força e amor de todas
as coisas.” Bruce lee,
1940-1973
[1] Como sempre eu uso as palavras, parkour,
freerunnind and art du deplacement como termos intrísecos que descrevem a mesma
atividade. Para facilitar eu usarei o termo parkour nesse artigo.
Tradução por Gustavo Ivo
0 comentários:
Postar um comentário