27 de fev. de 2015

Desabafo

Texto por Gustavo Ivo

Primeiro gostaria de dizer que escrevi tudo isso emocionalmente e na impulsão, o que era um comentário, acabou virando esse texto-desabafo. E acho que é meu primeiro texto direcionado totalmente pra comunidade de Parkour em Salvador. 

Não vou me delongar, mas antes de começar, esse texto se iniciou com referência a esse outro texto: Um Chamado à Luta. Aproveitar a agradecer ao próprio Chris Rowat "Blane" pelo texto e à Eduardo Rocha "Duddu" pela tradução.

Desabafo


Li esse texto com mais calma agora. E estou chorando. chorando.
Arrepiei do início ao fim e parece que a cada linha que lia, desafogava algo apertado no meu peito. 

Acho que esse texto só vai fazer mais sentido pra quem já tem alguns anos de caminhada no parkour.

Como diz blane, nossos valores estão sendo corrompidos. Muitas coisas foram construídas de bom nesses últimos anos, mas não posso negar essa sensação ainda nebulosa de que algo está se perdendo, está sendo abafado. Algo que me fez apaixonar pelo parkour. Algo que me mudou. Algo que transformou aquele mero conceito de superar obstáculos em algo muito maior em que qualquer palavra é insuficiente para descrever. 

Lembro na minha pele o que a gente passou junto. Eu com vocês, eu e os muros. Os momentos em que passávamos uma tarde inteira polindo movimentos, treinando até não conseguir levantar, treinando ainda mais por alguém que já não tinha tanta força, treinando porque aquilo nos mantinha vivos. Unidos. 

Até hoje eu lembro da porra do desafio dos kalenjis. Em que compartilhamos de calos abertos, suor, cansaço, limo na parede, chuva durante a tarde toda. Lembro que desisti nos 80. Desisti, assim como mais alguns, mas aquilo não importava. A energia era uma só. Vi vitinho e bruninho batendo 200+ climbs. Vibrei até o fim. 

Lembro do desafio de tartaruga que eram duas voltas de quadrupedais no costa azul, uns 1400m no total.

Lembro de quando fazíamos precisões e só contava quando todo mundo (uns 15) acertava, senão zerava tudo. E aquela precisão pra barra em conjunto na bahia gás?

Ou então aquela precisão bestinha, de um meio fio pro outro ali nas barras do costa azul, começou com fazer 10 seguidas sem cair. e as semanas passando...depois 30. depois 50. meses,anos...100. Porra. E ainda tinha que pagar flexão se errasse.

E as corridas que fazíamos do costa até lá quase no sarah e voltar, só pra aquecimento. Quem pode mensurar quantas km de quadrupedal já fizemos na porra daquele círculo do costa azul? Quantos calos foram abertos no sol ali? 

Quando fazíamos quadrupedais na escadaria, aquelas dezenas de subidas e descidas de um pé do capeta, saltos no anfiteatro, tantas variaçõeos de cats e quadrupedais no muro do anfiteatro. Aquela areia do costa, quantas vezes carregamos uns aos outros ali? quantas vezes caímos juntos? quantas vezes xingávamos uns aos outros como incentivo pra continuar, quantas vezes aguentamos mais do que imaginávamos juntos por uma pessoa? 









O parkour de hoje é outro, valoriza outras coisas e outras prioridades. A exibição, os saltos grandes, os vídeos, os vaults modas, os flowzin, as invenções loucas...porra. Legal, beleza, mas cadê tudo isso aí de antes? Cadê a repetição até o talo pra fazer uma aterrisagem silenciosa? Cadê os climbs até estourar a mão só pela busca do aperfeiçoamento pessoal? Cadê o sacrifício pelo outro? Cadê a tremedeira e suor por carregar alguém? Cadê a VONTADE de VIVER parkour?

Sinceramente (e aceito uma arrogância a essa altura do campeonato)..aos que estão chegando agora, não generalizo( graças a jah há exceções), mas vocês não sabem o que é parkour. E, pior, ignoram tudo que foi construído. E por isso, muitos de vocês podem perder uma oportunidade de transformarem suas vidas.

Durante esses anos vi muitos focarem na parte estética, nos flows, nos kongs e tal...e pararam. Foram fazer outra coisa. Não acharam e nem buscaram a essência do parkour. Foi só mais uma atividade legal de pular de um lugar pro outro. E só. Não foi uma ferramenta pra te fazer alguém melhor, a se conhecer, a destruir seu ego e a construir uma coisa chamada altruísmo. 

Sinto que hoje muitos das antigas, pelo menos eu, estão na dúvida. Duvidam de si mesmo, se devem continuar nesse caminho de repassar o parkour a frente. E eu reconheço, está difícil. Praticamente não reconheço esse parkour mais. Parece até que sou eu que não pratico, sou eu que tô errado e não entendi nada esses anos todos. 

Acho que até entre nós mesmos mais antigos está difícil a convivência. Alguns escolheram se isolar, outros se afastaram por conflitos. E a maturidade e vários outros fatores abalam nossos treinos pessoais também com o tempo. É compreensível. Mas àqueles que querem viver novos tempos. Tempos grandes e bons sim. Tempos em que o parkour pulsa em nossas veias a cada minuto do dia. Em que você espera ansiosamente para encontrar essa comunidade, esses muros... Você não está errado, você não é inferior, o que você aprendeu deve continuar vivo, você pode fazer algo maior. Reforço a chamada de Blane: "Treine como você acredita que Parkour deve ser treinado".. 

" e se você quiser repetir aquele pequeno salto, aquele com um ângulo complicado, para uma parede coberta de limo. Se você pretende treiná-lo até chegar o dia em que você poderá realizá-lo com os olhos fechados... então meu caro amigo, você não está sozinho! Eu quero repetir esse salto com você! Mas vamos fazer 50. Só pra ter certeza. E um a mais por aqueles que não podem se juntar a nós. "

Mas vamos fazer 50. só pra ter certeza. e UM a mais POR AQUELES que não podem se juntar a nós. Puta que pariu. tô digitando e chorando. 

Eu não quero que isso perca. Eu não vou deixar isso se perder. As pessoas que passaram pelo parkour em salvador e que carregaram, sem nem perceber, tanto desse espírito; eu vou lembrar de vocês. Carregarei vocês juntos pro futuro.














23 de fev. de 2015

Reflexão sobre o Medo

Texto por Daniel Ribeiro
Revisão Gustavo Ivo/ Juliana Fagardini

É um tanto cômico sentir-se vivo por conta do medo. O medo é algo que faz parte de qualquer ser humano, penso eu.


Hoje, como de costume, deparei-me com uma situação um tanto corriqueira para mim, saltar. Eu e mais alguns amigos saímos para treinar. Começamos a treinar e depois de um tempo subimos em um muro relativamente alto, uns 3 metros, o mesmo só comportava a parte frontal do tênis, a visão era no mínimo desconfortável. Na frente do muro tinha outro muro, um pouco distante um do outro, nesse muro à nossa frente havia um recorte no qual dava para encaixar somente as mãos para se segurar. Foi proposto por um colega a ideia de pular de onde estávamos de encontro ao muro com o recorte como se nossa vida dependesse disto. Esse salto chamamos de "cat", treinamos muito esse tipo de salto e é algo meio natural pra gente.


Depois de passar um tempo sobre o muro e ter arregado várias vezes de pular, levantei-me de onde estava sentado e com a ajuda de um amigo mantive-me em pé e passei um certo tempo observando o lugar onde teria que me segurar. Nesse momento pude sentir o quanto meu corpo estava gritando. Minhas pernas tremiam sem parar, minhas mãos suavam incessantemente e eu não conseguia me concentrar no outro muro. Eu me senti tão vivo a ponto de não querer mais sair dali, o medo de cair e não só cair, mas me machucar na queda me fez sentir cada célula vibrando. Mas lembrei que tinha que pular, depois de ouvir que se eu não pulasse em dez segundos seria "jogado" do muro. Depois de retomar a visão para o muro à minha frente mirei no recorte e puxei todo o ar que consegui para dentro do meu peito, larguei a mão do meu amigo e simplesmente fui, com medo ainda. Eu sabia que depois de pular não teria volta, nem pause, nem replay. Era ficar ou cair uns dois/três metros no barro.


Depois que meu pé saiu do muro eu fiquei anestesiado, senti o atrito dos meus pés no muro e logo em seguida o impacto das minhas mãos no recorte do muro. Percebi que tinha chegado, ainda tremia e suava, mas sentia-me vibrante.


Voltei ao muro e repeti o salto, sem o medo desta vez. O medo é algo constante, acredito que só passamos por cima dele depois de enfrentá-lo cara a cara. Cair, me machucar, sentir dor são coisas que aprendi a lidar durante meus poucos anos de vida. Não culpar ninguém a não ser eu mesmo por minhas falhas, por meus medos, por meus fracassos. Eu sabia que mesmo que eu pulasse por pressão dos que estavam ali, eu que arcaria com o sucesso ou com o fracasso. O "controle" estava comigo, eu escolhi suportar o medo.


"Suportar o que parece insuportável com força e dignidade", sigo nessa filosofia. Aprender a conviver e suportar o medo é fundamental para superar os desafios, sejam eles quais forem.

Gaman.



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