19 de dez. de 2014

Por que eu amo o Parkour


Artigo por Dan Edwards
Tradução livre por Gustavo Ivo

A distância entre as paredes era em torno de 10 pés¹. O chão de concreto abaixo de mim era, talvez, cerca de 25 pés². Meu plano era saltar de onde estava para a outra parede, passando pelo vão que as separava.¹ 3 metros - ² 7,5 metros

Naquele momento eu não conseguia saltar aquela distância completamente ou chegar com apenas um pé em cima, mas eu sabia que conseguia alcançar minhas mãos no topo e amortecer o impacto com as pernas. Eu sabia que eu era forte o suficiente para me segurar e subir. Eu sabia que a parede tinha uma boa pegada e nem estava chovendo. Não havia nenhum motivo que me impedisse de realizar o salto de forma segura. Eu sabia muitas coisas.

E então, por que eu não saltava?

Esse foi meu primeiro real teste na disciplina a que chamamos de parkour, ou também conhecida como freerunning, e dita a atividade desse tipo em mais rápido crescimento no mundo.  Naquela época, quando comecei a treinar, só alguns poucos conheciam a disciplina e menos ainda a praticavam.  Era na época antes do Youtube existir ou do parkour se tornar popular em todos os filmes de ação de hollywood e comerciais de tv.  Tomei conhecimento da prática por algumas rápidas vezes em que vi os fundadores franceses em ação, além de discussões em fóruns obscuros pela internet, o que significa que eu tinha apenas uma compreensão rudimentar dos conceitos e filosofia por trás dos movimentos. Mas eu sabia o suficiente para perceber que havia algo a mais, algo realmente desafiador, algo essencial para meu contínuo desenvolvimento enquanto pessoa. Algo único.

Antes de dar aquele primeiro salto, minha formação anterior vinha das artes marciais e outros métodos de treino tradicionais, e até me tornei modestamente bom nessas áreas. Sentia que era forte, em boa forma, com bom condicionamento, e preparado para lidar com a maioria das situações. Eu estava errado. Ou melhor, eu estava certo, mas apenas dentro de um paradigma e visão bem limitados, os quais ainda tinha que me libertar. Quando comecei a treinar parkour, imediatamente percebi minhas deficiências e fraquezas, percebi o quanto minha capacidade era limitada e carente em desenvolver movimentos básicos, naturais e funcionais; não só na parte física, mas - muito mais importante - na parte mental. E dessa percepção, em contrapartida, veio outra: a de que essas deficiências podem ser superadas, que nosso potencial é extraordinariamente muito mais vasto do que jamais imaginaríamos.

Aquele pequeno pulo, para mim naquele tempo, foi um teste em que a realidade me pôs sobre o que eu era. Eu sabia que era capaz fisicamente, mas ao mesmo tempo era muito claro para mim que, para aceitar e superar esse desafio, eu ia precisar de todas as minhas habilidades – força, coordenação, foco, ritmo, coragem – para conseguir, em apenas um momento, uma tarefa fácil: fazer o salto. Não era um treino de preparação, era a prática em si. Foi diferente de qualquer coisa que já experimentei antes na minha vida. E eu amei.

Tantas de nossas atividades cotidianas e modernas de hoje não carregam nenhum desafio real: foram diluídas, amenizadas, reduzidas ao mais baixo denominador comum. A causa desse processo é, de longe, o medo – num nível social. Medo de errar, medo de se machucar, de depender, sempre o medo. Ironicamente, claro, é que reduzindo os riscos e nos protegendo desses medos, nós produzimos uma população ainda mais incapaz e medrosa. Nossa ideia de risco está toda errada. O que acontece é que, se encararmos o risco numa base regular e aprendermos a lidar com ele; nós reduzimos massivamente os riscos maiores – e menos óbvios - que acabam causando todo o dano: obesidade, doenças cardíacas, problemas de postura, estresse e todas as outras doenças modernas de nosso mundo industrializado.

Parkour é um lembrete para si mesmo que o seu corpo e mente foram desenvolvidos para se adaptar, superar e lidar com uma diversidade de desafios e cenários, e que na verdade é justamente esse processo que mantém sua saúde e funções naturais em melhor forma. Chama-se estresse positivo. A adversidade que traz uma grande recompensa. Risco com benefícios

Não é necessário um cientista do esporte para perceber os benefícios físicos de treinos regulares que envolvem movimento. Afinal, é o que o seu corpo evoluiu para fazer: correr, saltar, escalar e explorar nosso ambiente. Parkour te fará mais forte, rápido e mais ágil do que você jamais pensou ser possível. Parkour te dará um aumento na coordenação, habilidades funcionais e ferramentas que te ajudarão a solucionar problemas em diversos aspectos de sua vida. Essas coisas, porém, não foram o que me atraiu. Elas não são as razões pelas quais eu fiz aquele primeiro salto.

Eu saltei para descobrir quem eu era. E nesse processo de autodescoberta há crescimento, há progresso, há transformação. Agora eu sei que a pessoa que aterrissou já era – de modo sutil, mas significativo – diferente da que saltou há momentos atrás. Eu tinha ganhado algo, compreendido algo sobre eu mesmo de forma prática. Ninguém escala montanhas porque simplesmente estava por lá, elas escalam porque há algo que não está lá: algo que está dentro delas, e que elas buscam descobrir o que é.

Parkour me presenteou com uma forma de alcançar aquela gema rara, que fica no coração das experiências que levam ao auge – e eu não preciso escalar uma montanha para isso, quando posso ter essa experiência bem aqui, nas ruas de minha própria cidade.

original: http://danedwardes.com/2014/08/14/why-i-love-parkour/ (Publicado, primariamente, no jornal The Guardian, August 14, 2014)

“Há muitas formas de treino, mas, a não ser que você as aplique, como você irá saber o que pode fazer?”


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