20 de mai. de 2015

Planches - 1002: Parte II

Dando prosseguimento à série de textos sobre o desafio, dessa vez, o depoimento - intenso - de Daniel Ribeiro.

Parte I: Aqui

Fotos noturnas por Juliana Fajardini.



Aceitar sua condição e existir, insistir e lutar, mesmo que pacificamente, é prevalecer.   

      (Daniel Ribeiro)


1002 Planches


Só hoje, 20 dias depois, resolvi terminar de escrever sobre o desafio mais exaustivo, tanto físico e mentalmente que já fiz. É muito difícil tentar expressar com palavras o caminho que percorri neste desafio, mas farei o máximo. 

  • O desafio inicialmente não era, nem de longe, os 1000 planches. 

Tudo começou com uma conversa depois de um treino que rola aqui em Salvador, apelidado de "Treino de embrutecimento", no qual eu, Gustavo e Wesley estávamos decidindo o nosso desafio do mês, como de costume. Como todo mês escolhemos um desafio baseado no número do mês, e sendo este abril, deveríamos escolher um desafio com que fosse relativo ao número 4. Assim, sugeri fazer o desafio dos 400 planches. Pronto, a ideia era idiota, e per si, foi automaticamente aceita. 

Marcamos a data e assim cada um continuou com suas vidas. Nesse meio tempo entre o desafio, creio que uma semana, não me recordo, fui vendo e lendo alguns vídeos e textos sobre desafios com planches/muscle ups. Precisava ter um pouco de noção de como deveria me manter no desafio, quantas repetições faria, o descanso, alimentação e etc. A partir desse momento a semente do mal já tinha sido semeada em minha mente e eu já pensava em não parar nos 400 planches. Conversando com Gustavo ele me revelou que também não tinha essa intenção. Novamente, juntos. 

Logo após ter assumido o desafio dos 1000 planches o medo, o receio, a incerteza e uma agonia incessante me lançava arduamente num limbo de inquietude. Eu me sentia ansioso e ao mesmo tempo queria adiar permanentemente o desafio. O medo do desconhecido, neste momento, me assombrava. Neste momento percebi que minha mente faria um papel crucial no desafio, talvez maior que meu corpo. 

Faltando um dia para o desafio não treinei, não fiz nada, apenas comi e tentei descansar. Dormir foi algo complicado, eu rolava de um lado para o outro da cama e o sono não vinha. Vi o dia clarear e faltando umas 3 horas para sair de casa peguei no sono. Esse foi meu descanso. Ouvi o celular tocar o alarme e acordei, levantei tonteante e atrasado. Só peguei dinheiro, coloquei uma roupa e saí. O dia estava fechado e já tinha chovido, foi um alívio, não queria sofrer debaixo do sol. Cheguei primeiro no pico, umas barras que tem na ondina, em frente à FSBA, e esperei por Gustavo, que veio correndo. 

  • O começo do desafio foi uma mistura de sentimentos bagunçados. 

Não sabia o que me esperava, só pensei em começar e terminar o mais rápido possível. Damos início ao desafio às 10:30, confiantes que acabaríamos antes das 19:00. Eu, Gustavo e João que estava com a gente, mas fazendo seu desafio de barras. Começamos e cada um foi anotando suas repetições em um caderninho. 

Eu e Gustavo concordamos em fazer 2 repetições por minuto e continuar assim até onde fosse possível. Foi assim, de dois em dois, e logo passamos dos 100. A mão de Gustavo, rasgada, já tinha mostrado que não seria fácil manter o corpo intacto. Entre os 200 o sol resolveu aparecer junto com Felipinho e Wesley e o desafio ganhou mais energia. Minha mão, ainda estava bem, sem calos abertos ou dores, mas eu sabia que não seria assim por muito tempo. Passando pelos 300, eu já tinha perdido muito líquido e estava sofrendo com o sol que tinha ficado mais forte. Chegando nos 400, o peso do corpo já parecia ter aumentado e a mão já parecia que iria se rasgar a qualquer momento. 




Enfim os 500 planches, estava na metade e meu corpo deu um leve suspiro. Já tinha percorrido a metade do caminho. Minha mão já estava com alguns calos abertos e algumas hora ou outra outros estouravam, não demorou e minha mão estava totalmente aberta. Comecei a beber mais água, mas ainda assim não recuperava, estava perdendo muita água e já me sentia fraco. Passando pelos 600 uma guerra que eu estava evitando começou a se levantar. Nesse momento eu comecei a sentir raiva, pensava em parar e cada repetição era como se eu puxasse o mundo junto comigo. Eu mal falava, só suava, sentava, dava duas respiradas e voltava a puxar dois planches. Foi assim até os 700, aqui eu e Gustavo paramos e descansamos 20 minutos. Resolvi tomar um banho na praia e deitar um pouco, burrice! A água salgada fez minha mão queimar em ardência. Deitado, só sentia uma vontade grande de parar por ali e voltar para casa. Uma parte de mim gritava com a outra, uma tentava jogar a outra no chão, uma tentava se impor a outra. Garrei no sono. Acordei com Wesley me chamando e de alguma forma, estava me sentindo melhor. 


  • Aqui, em direção ao fim, pensando em desistir, começou meu desafio. 

Aqui entre os últimos 300 planches começou meu diálogo interno e minha guerra pacífica. Aqui eu escolhi arcar com toda dor, todo cansaço e talvez com alguns danos físicos. Aqui eu escolhi o que eu seria e o qual parte de mim eu deixaria vencer. Aqui eu lembrei dos que já tinham feito, dos que estavam fazendo, dos que não quiseram fazer e dos que não puderam fazer.
Aqui eu resolvi suportar tudo, pelos que estavam ali comigo e porque ali, naquele momento, eu só tinha a barra e meus amigos. 

Eu já estava sofrendo e parar, sair, desistir não faria essas dores pararem. Meu corpo estava quebrado, mas meu espírito estava intacto. Consegui aumentar minhas repetições de 2 para 4 e até 5 e fui assim até os 900 planches. 

Juntos
Os 100 últimos. Então chegou o fim. Já tinha passado das 19:00 horas e eu não me importava mais com o tempo, estava desapegado de tudo, já tinha encarado e aceitado a dor em meus braços e minha mão não me incomodava tanto assim. Incomodava ver Gustavo exausto e cambaleante, cada repetição que fazia eu dedicava a ele. Eu sentia o sofrimento dele ao puxar a barra, sentia o cansaço dele e isso deixou minha última centena agoniante. Ele estava faltando alguns planches para chegar nos 900 e eu já estava fechando os tão esperados 1000. Faltando 30 planches resolvi não descansar tanto, fazia um, andava uns 30 metros e fazia de novo. Gustavo resolveu fazer o mesmo e assim, depois de 10 horas, eu conclui o desafio fazendo 1002 planches. 

Fiquei feliz, abracei Gustavo, mas não tinha forças para comemorar. Resolvi que faria planches até onde aguentasse para acompanhar Gustavo e assim continuei, não demorou muito e cheguei no meu limite e nesse momento meu corpo já não estava mais com Gustavo. Só minha mente o acompanhava naqueles últimos planches. Gustavo terminou umas 2 horas depois, exausto e emocionado. 

De fato, este foi o desafio mais duro, difícil, longo e cansativo que já fiz. 



Não o faria de novo, nem recomendo. É um desafio que não requer apenas um condicionamento bom, ele vai te minar e antes que perceba você já não terá forças físicas para se suportar em pé. Foi a maior batalha de minha vida, mas foi uma batalha que valeu a pena. Só consegui reforçar virtudes e ideias que tenho carregado comigo há algum tempo. Meu corpo, 20 dias depois ainda carrega as marcas nas mãos, mas já estou recuperado e sem lesões. Mantenho meu legado intacto, sempre que me colocar em prol de alguma coisa ou de alguém, seguirei, passo a passo, enfrentando minhas ilusões e meus medos, buscando alcançar o objetivo proposto. Uma ressalva, o desafio acabava nos 1000 planches, mas fiz um para a sociedade de parkour e outro para Gustavo que se manteve até o final comigo. 

  • Enquanto estiver vontade, meu espírito erguerá meu corpo, enquanto estiver vontade, mesmo com o corpo quebrado, eu me erguerei










Engole

a dor


Ergue-se

resoluto.


Impávido.

Sereno.

Bruto.


(Juliana Fajardini)

 

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